Por Ricardo Ferreira Vigo

Após pouco mais de um ano e meio da vigência do atual Código de Processo Civil (CPC), já foi possível verificar que a nova legislação trouxe pontos positivos, em especial, no que se refere à inovação e flexibilização de normas. Verificamos, porém, que em outros pontos o legislador não atuou com a mesma sabedoria e o resultado são incongruências na parte que trata da dissolução parcial de sociedade.

O Código de Processo Civil traz agora, expressamente, entre os procedimentos especiais, a ação de dissolução parcial de sociedade o que antes era tratado pelo artigo 1.218, VII, do Código de Processo Civil de 1973, o qual ainda nos remetia para a legislação processual de 1939.

Até fevereiro de 2016, era aquele dispositivo do código de 1939 aplicado em casos de dissolução parcial e com a evolução da doutrina e da jurisprudência passou-se a entender que era possível, e inclusive mais adequado, que se pudesse dissolver parcialmente uma sociedade (e não somente a dissolução total) e com isso manter o desenvolvimento de sua atividade econômica, os postos de trabalho e o pagamento dos tributos. Isso através dos sócios que pretendiam continuar e o resultado desses posicionamentos contribuíram para a criação do “bem-vindo” procedimento especial no atual Código Processual.

Se prevalecer a interpretação literal, estaria se judicializando matéria que hoje é possível resolver
administrativamente Contudo, ao se analisar a estrutura do capítulo que trata do procedimento da ação de dissolução parcial de sociedade, pode-se verificar que em alguns de seus dispositivos o legislador “pecou” em sua redação e chegou até mesmo a confundir conceitos de direito material dentro da legislação processual.

A primeira impropriedade que se pode destacar é a denominação exclusiva de ação de dissolução parcial de sociedade, quando na realizada, caberia e deveria também possuir a denominação de ação de apuração de haveres. Se considerarmos apenas esta denominação estaríamos limitando o interesse daqueles sócios que, embora já afastados da sociedade, pretendem exclusivamente o recebimento de seus haveres.

O legislador também não se utilizou de técnica de precisão quanto tratou do rol de legitimados para a propositura da ação de dissolução parcial de sociedade, tendo, no artigo 600, elencado taxativamente aqueles que o poderão, no entanto, esquecendo de diferenciar entre os legitimados para o ajuizamento da ação de dissolução e os legitimados à propositura da ação que tem por objetivo apenas a apuração dos haveres.

Fazendo-se uma análise restritiva poder-se-ia equivocadamente acreditar que o sócio que exerceu o direito de retirada ou recesso possui legitimidade para requerer a dissolução parcial da sociedade, quando na verdade, este sequer possui interesse de agir quanto a este pedido, possuindo de outro lado legitimidade e interesse tão somente com relação a apuração de seus haveres.

Se prevalecer a interpretação literal, estaria o legislador burocratizando e judicializando matéria que hoje é possível resolver sem se utilizar da máquina do judiciário, administrativamente. Ainda neste dispositivo, o legislador (aparentemente) se equivocou quanto ao disposto em seu parágrafo único, posto que a norma processual no caso confronta integralmente com o disposto no artigo 1.027 do Código Civil, sem que menos que se tenha feito alguma ressalva de revogação (ou não) da norma de direito material. O fato é que o que se pode abstrair pela interpretação deste dispositivo processual é que o artigo 1.027 do Código Civil foi revogado sim pela lei processual.

Embora existam outras inadequações no texto do procedimento especial, uma que chama a atenção é o disposto no artigo 604, §1º que autoriza o juiz, sempre que houver quantia de haveres tida com incontroversa, a intimar a sociedade e os sócios para depositá-la imediatamente em juízo. Ocorre que o legislador não considerou que os haveres são e sempre serão devidos pela sociedade e jamais pelos sócios, sem prejuízo de sua responsabilidade subsidiária e nas hipóteses de desconsideração da personalidade jurídica.

O que se vê então é a possibilidade de que os sócios sejam obrigados à depositar em juízo a quantia incontroversa mesmo que ainda não tenha havido uma negativa por parte da sociedade. É bem verdade que se trata de avanço importante e hoje podemos dizer que temos à disposição um procedimento que atende de forma mais adequada e efetiva as demandas do dia a dia e que surgem das relações societárias atuais, especialmente pela previsão expressa de uma dissolução parcial e não total, sem prejuízo dos diversos ajustes que a legislação ainda carece.

Ricardo Ferreira Vigo é sócio no escritório Aires Vigo ­ Advogados, pós­graduando em processo civil pela PUC­SP.

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